Poucos filósofos tiveram um impacto tão profundo na história do pensamento quanto Immanuel Kant. Sua filosofia marcou um divisor de águas entre a tradição racionalista e empirista, introduzindo uma nova maneira de compreender o conhecimento, a moralidade e a própria estrutura da razão humana. Sua "Revolução Copernicana" na filosofia transformou a maneira como percebemos a relação entre sujeito e objeto, conhecimento e realidade.
O Contexto Filosófico Antes de Kant
Antes de Kant, a filosofia estava dividida entre duas principais correntes:
Racionalismo: Representado por filósofos como Descartes, Spinoza e Leibniz, acreditava que o conhecimento verdadeiro vinha da razão e de princípios inatos.
Empirismo: Defendido por pensadores como Locke, Berkeley e Hume, sustentava que todo conhecimento provinha da experiência sensível.
Kant percebeu limitações em ambas as abordagens. O racionalismo, ao confiar exclusivamente na razão, não explicava como adquirimos conhecimento do mundo real. O empirismo, por sua vez, não conseguia justificar conceitos universais e necessários, como a matemática e as leis da física.
A Revolução Copernicana de Kant
Kant propôs que, em vez de o conhecimento depender do objeto externo, é a mente humana que organiza a experiência sensível conforme suas próprias estruturas a priori. Assim como Copérnico propôs que a Terra gira em torno do Sol, Kant sugeriu que o conhecimento gira em torno das condições da mente humana.
Essa revolução conceitual é apresentada em sua principal obra, Crítica da Razão Pura (1781), onde Kant distingue entre:
Juízos analíticos (que são verdadeiros por definição, como "todos os solteiros são não casados").
Juízos sintéticos a priori (que ampliam o conhecimento e são necessários, como as leis da física e a matemática, que independem da experiência sensível).
A partir disso, Kant mostra que o sujeito não é uma tábula rasa, como queriam os empiristas, mas também não nasce com ideias inatas, como queriam os racionalistas. Em vez disso, a mente possui estruturas a priori (como espaço, tempo e categorias do entendimento) que organizam a experiência.
A Filosofia Moral de Kant
Além da teoria do conhecimento, Kant também revolucionou a ética com a Crítica da Razão Prática (1788). Ele rejeitou tanto o consequencialismo (que julga a moralidade com base nos resultados das ações) quanto a ética da autoridade (baseada na religião ou em convenções sociais), propondo uma ética baseada na razão pura.
Seu principal conceito é o Imperativo Categórico, que pode ser resumido da seguinte forma:
Universalização: "Aja apenas segundo uma máxima que possa ao mesmo tempo se tornar uma lei universal".
Fins e não meios: "Aja de tal forma que trates a humanidade, tanto na tua pessoa como na de qualquer outro, sempre como um fim, nunca como um meio".
Isso significa que a moralidade deve ser baseada em princípios universais e não pode depender das consequências individuais de cada caso.
O Impacto de Kant na Filosofia e na Ciência
As ideias kantianas influenciaram diversas áreas do conhecimento:
Na filosofia, originaram o idealismo alemão (Hegel, Fichte, Schelling) e influenciaram o existencialismo e a fenomenologia.
Na ciência, ajudaram a formular princípios epistemológicos utilizados por Einstein na teoria da relatividade.
Na moral e na política, seus princípios inspiraram concepções modernas de direitos humanos e autonomia individual.
Conclusão
Kant foi responsável por uma das mais profundas transformações na história da filosofia. Sua abordagem conciliou racionalismo e empirismo, reformulou a teoria do conhecimento e estabeleceu uma ética universalista baseada na razão. Seu pensamento continua sendo fundamental para a filosofia contemporânea, influenciando desde debates sobre metafísica e ciência até ética e política.
Bibliografia
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KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Tradução de Guido de Almeida. Lisboa: Edições 70, 2008.
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ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. São Paulo: Martins Fontes, 2007.